Resenha: Dançando Sobre Cacos de Vidro por Ka Hancock

14:35

Sinopse: Lucy Houston e Mickey Chandler não deveriam se apaixonar. Os dois sofrem de doenças genéticas: Lucy tem um histórico familiar de câncer de mama muito agressivo e Mickey, um grave transtorno bipolar. No entanto, quando seus caminhos se cruzam, é impossível negar a atração entre eles. Contrariando toda a lógica que indicava que sua história não teria futuro, eles se casam e firmam – por escrito – um compromisso para fazer o relacionamento dar certo. Mickey promete tomar os remédios. Lucy promete não culpá-lo pelas coisas que ele não pode controlar. Mickey será sempre honesto. Lucy será paciente. Como em qualquer relação, eles têm dias bons e dias ruins – alguns terríveis. De uma hora para outra todas as regras são jogadas pela janela e eles terão que redescobrir o verdadeiro significado do amor.




Título: Dançando Sobre Cacos de Vidro
Autor(a): Ka  Hancock
Páginas: 336
Editora: Arqueiro
Avaliação: 4/5 

Assim que li a sinopse de Dançando Sobre Cacos de Vidro sabia que seria um livro tocante e triste e, exatamente por isso, tive certeza de que iria gostar. Não poderia estar mais certa. A Ka Hancock escreveu uma estória linda, penosa sim, mas linda, que me fez chorar sem pausa durante as duzentas últimas páginas.


 Lucy perdeu o pai quando era muito nova e, alguns anos depois, perdeu sua mãe para um câncer de mama que já tinha levado sua avó e sua tia. Ainda adolescente, Lucy encontrou conforto nas pessoas da sua cidade que juntos formam uma grande família e na suas duas irmãs mais velhas, Lily e Priscilla, mas teria que para sempre lidar com os genes problemáticos que, no futuro, poderiam garantir a ela - e a suas irmãs - um fim igual ao da sua mãe. Na sua festa de aniversário de 21 anos ela conhece Mickey, eles logo se sentem atraídos um pelo outro, mas Mickey nunca a ligou de volta. Meses depois Lucy reencontra Mickey em um hospital e em meio a uma conversa ele diz que sofre de um distúrbio bipolar severo. Contra todas as probabilidades e contra todas as convenções essas duas pessoas problemáticas se apaixonam e arriscam construírem uma vida juntos, mesmo que seu dia-dia esteja sempre oscilando entre a felicidade e o desastre. 


A primeira coisa se destaca na leitura é, sem dúvida, os personagens. A Lucy é uma protagonista incrível, ela já passou por muita coisa na vida, antes e depois de conhecer Mickey, e se manteve firme e forte contra todas as tentativas que a vida vez para a derrubar. Ela é extremamente dedicada as pessoas que ama, é amorosa e tem uma simplicidade natural que faz com que ela arrisque tudo para ser feliz. Não tem como não admirar a Lucy, seja pelas suas ações, pelos seus sentimentos ou, principalmente, por sua força. 

Já o Mickey é um personagem cativante e, ao meu ver, tão incrível quanto. No começo de - quase - todos os capítulos nós temos um pouco da visão dele sobre os fatos e não nem como não se fascinar pelo personagem. Depois de ler Dançando Sobre Cacos de Vidro eu percebi que tinha uma visão muito limitada sobre a bipolaridade e a gravidade que a doença pode adquirir. É triste e ao mesmo tempo intrigante acompanhar essa luta do Mickey para se manter no limite entre a depressão e a psicose e ainda mais lindo ver como ele luta cada vez mais para ficar melhor por causa da Lucy e por cauda do amor que sente por ela. Aos poucos quem lê consegue enxergar, claramente, o que a Lucy viu por toda aquela fachada quebrada e disfuncional do Mickey: um homem incrível, doce, gentil, extremamente apaixonado e alegre. O Mickey luta com muitos demônios, ele tem problemas que vão além da sua doença, mas mesmo assim eu me senti encantada e apegada ao personagem e a sua luta diária.
Além dos dois personagens principais existem outros personagens secundários igualmente fascinantes e encantadores, deixo como destaque as irmãs da Lucy, a Lily e a Priscilla, que são duas pessoas completamente diferentes e que despertaram em mim sentimentos tão diferentes quanto - odiei a Priss em diversos momentos, não vou mentir -, mas que possuem uma participação crucial no livro. Outro destaque, para mim, foi o Gleason, um personagem que muitas vezes estava presente de forma secundária, mas que trouxe muito, mas muito mesmo para a vida do Mickey e da Lucy e, consequentemente, para a estória.

O segundo ponto do livro que mais me fascinou logo de cara foi a amor e a relação existente entre a Lucy e o Mickey. Não sei como explicar, mas dá pra sentir a força que liga os dois, o porquê deles arriscarem passar por tanta coisa para poderem estar juntos, não é mentira quando o Mickey afirma que é a sua esposa que dá forças para ele se recuperar toda vez que chega ao fundo do poço. Eu sinceramente gostaria de poder fazer vocês entenderem o tamanho do amor que une esses dois personagens e como eles parecem tão certos juntos e como isso é uma parte extremamente grande e forte da estória, mas eu simplesmente não consigo. É tudo demais para isso.

Quando eu vi qual seria o caminho que a estória iria tomar, confesso que fiquei um pouco desapontada. Primeiro porque eu acreditava que já tinha material demais para ser trabalhado, na minha opinião não tinha necessidade para fazer aquilo, principalmente com toda a doença do Mickey como plano de fundo para ser explorada. Segundo porque eu já tinha visto esse mesmo plot sendo usado no livro De Volta Para Casa da Karen White e, logo de cara, já tive certeza de como iria terminar. Terceiro porque, principalmente, eu simplesmente não achei justo com os personagens.

Depois de terminar a leitura eu ainda acredito que a autora deveria ter seguido outro caminho, mas, mesmo assim, eu amei o livro como ele é. A Ka Hancock conseguiu abordar tudo com tamanha beleza e intensidade que, sem brincadeira, eu chorei interruptamente durante as duzentas últimas páginas. Eu praticamente me desidratei de tanto chorar. Minhas lágrimas na sua maioria foram, sim, de tristeza, mas grande parte delas foram também de admiração dos sentimentos desses personagens.
Dançando Sobre Cacos de Vidro não é só um livro que fala sobre duas pessoas doentes, mas que, na verdade, trata sobre amor, seja romântico ou, principalmente, familiar. Uma estória que se foca em mostrar a superação, que qualquer um, qualquer um mesmo, pode ter forças para se reerguer após um ou vários desastres, não importa de que tamanho sejam.

A Ka Hancock não era uma escritora, ela é uma enfermeira que resolveu colocar no papel toda a sua experiência na ala psiquiátrica e fazer uma estória onde um de seus personagens principais sofre de distúrbio bipolar. Fiquei realmente surpreendida pelo fato desse ser seu primeiro livro, ela escreve muito bem, conseguindo encher suas páginas de emoções e trazer muita naturalidade para a escrita. Achei ótimo ela ter colocado um pouco da visão do Mickey no livro e toda sua experiência como enfermeira fica visível na forma completa - e fácil - com que ela explica a bipolaridade para o leitor.

Assim como eu esperava, Dançando Sobre Cacos de Vidro é um livro lindo e terrivelmente triste, repleto de lições de vida e mensagens nem sempre positivas, mas tocantes, foi um leitura que mexeu no fundo do meu coração e deixou uma marca permanente lá. E eu sou da crença de que todo livro capaz disso merece ser lido, mesmo que não tenha tomado o rumo que eu queria.

PS para quem leu: como lidar quando a capa de um livro já é um spoiler?
Para muita gente, esse abismo não existe, mas ele é uma ameaça real para quem sofre de transtorno bipolar. Sei que pareço um dependente químico, mas nenhuma droga causa a mesma sensação que a loucura quando está prestes a nos dominar, nem o desespero que vem imediatamente após você ter cedido a ela.
Lucy me amava – mesmo com parafusos soltos, peças sobressalentes e partes danificadas. Ela amava o pacote todo – dizia que devia ser assim ou não faria sentido me amar. Jurou, faz uma eternidade, que isso era verdade e fez jus a esse juramento.
– Lucy, todo casamento é uma dança: complicada às vezes, maravilhosa em outras. Na maior parte do tempo não acontece nada de extraordinário. Com Mickey, porém, haverá momentos em que vocês dançarão sobre cacos de vidro. Haverá sofrimento. Nesse caso, ou você fugirá ou aguentará firme até o pior passar.
Agora sei a diferença entre tristeza e depressão. A depressão clínica não tem uma origem – simplesmente existe. A tristeza intratável não tem nada a ver com sinapses, química cerebral ou nutrientes essenciais; ela é fruto de algo. É o produto da injustiça e da impotência. Pode ser anestesiada, suponho, mas depois que o efeito da medicação passa, fica ali, inalterada, como um intruso que invadiu nossa casa e continua nela, manhã após manhã, ao acordarmos. Se pudesse escolher, eu preferiria estar deprimido. Da depressão já voltei.

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