Resenha: A Menina Mais Fria de Coldtown por Holly Black

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Sinopse: No mundo de Tana existem cidades rodeadas por muros são as Coldtowns. Nelas, monstros que vivem no isolamento e seres humanos ocupam o mesmo espaço, em um decadente e sangrento embate entre predadores e presas. Depois que você ultrapassa os portões de uma Coldtown, nunca mais consegue sair. Em uma manhã, depois de uma festa banal, Tana acorda rodeada por cadáveres. Os outros sobreviventes do massacre são o seu insuportavelmente doce ex-namorado que foi infectado e que, portanto, representa uma ameaça e um rapaz misterioso que carrega um segredo terrível. Atormentada e determinada, Tana entra em uma corrida contra o relógio para salvar o seu pequeno grupo com o único recurso que ela conhece: atravessando o coração perverso e luxuoso da própria Coldtown. A Menina Mais Fria de Coldtown, da aclamada Holly Black, é uma história única sobre fúria e vingança, culpa e horror, amor e ódio.



Título: A Menina Mais Fria de Coldtown
Autor(a): Holly Black
Páginas: 384
Editora: Novo Conceito
Avaliação: 5/5 

Me lembro que quando ouvi falar sobre A Menina Mais Fria de Coldtown pela primeira vez eu adorei o título e a capa, mas não me interessei de verdade pela estória em si. Conforme o tempo foi passando eu ouvi diversas críticas muito positivas e outras muito negativas, o que me fez começar a leitura sem um expectativa bem determinada. Aconteceu que depois de poucas páginas já estava completamente envolvida pela estória e quando o livro chegou ao fim a única coisa que eu queria fazer era sair falando para todo mundo como ele é sensacional! A Holly Black deu uma aula de como fazer um livro belamente escrito, que usa o melhor dos vampiros, que é assustador na medida certa e que, acima de tudo, mostra com perfeição como se fazer um livro único sem falhas.



Na realidade em que Tana vive, os vampiros existem no mundo todo. Depois de um surto de infecções, o mundo descobriu a existência dessas criaturas que antes viviam apenas nas estórias de terror. Para tentar proteger a população, foram criadas as chamadas Coldtowns, cidades cercadas e protegidas onde os vampiros podem viver livremente, onde as pessoas Resfriadas - que foram mordidas e estão infectadas - podem passar a quarentena e onde pessoas encantadas com a promessa da imortalidade podem ir para se tornarem alimento. 
Tana estava entendiada me casa e sem a melhor amiga e por isso resolveu ir a uma festa na casa de fazenda de um dos seus amigos. Quando ela acorda dentro da banheira não se lembra de nada do que aconteceu e é só quando se aventura a andar pela casa que descobre que quase todos estão mortos. Algum vampiro invadiu a casa durante a noite e se divertiu bebendo de cada um deles. As únicas pessoas que encontra além dela é o seu ex-namorado, Aidan, que está infectado, e um vampiro jovem que está acorrentado ao seu lado. Com medo do que Aidan pode fazer solto por aí e com medo de ela mesma estar infectada Tana resolve ir para a Coldtown mais próxima levando também o vampiro misterioso e meio louco que ajudou a salvar. 

Eu gostei muito de como o livro já começa nos jogando de cabeça na estória, ao acompanharmos Tana acordando em uma casa com mais de quarenta adolescentes mortos espalhados em qualquer canto para que olhasse. Por se passar em uma realidade onde os vampiros são parte da realidade, o livro é repleto de mortes e sangue. Muito sangue mesmo. E também de um clima assustador e apreensivo que está presente em todas as cenas, já que os personagens vivem com o perigo sempre a espreita, não importa onde estejam.

Um dos pontos mais incríveis de A Menina Mais Fria de Coldtown é como os vampiros foram abordados. Eles vivem com fome de sangue, queimam no sol, não suportam alho e matam sem escrúpulos. Mas, ao mesmo tempo, continuam a criaturas inteligentes e capazes de até mesmo sentirem quando querem. Só que, principalmente, são criaturas sedutoras por sua beleza eterna, sua força e por sua imortalidade.
A Holly Black conseguiu perceber que são essas contradições as razões responsáveis pelo o fascínio que nós temos pelos vampiros. É extremamente fascinante se ter criaturas que são verdadeiros monstros, que morreram e nasceram de novo prontos para matar afim de sobreviver, mas que ao mesmo tempo conseguem provocar adoração por estarem congelados no tempo e ter todo o resto dele pela frente. Lendo o livro eu fui capaz de enxergar isso, de perceber porque tantos livros, filmes e estórias de vampiros são sempre tão fáceis de se vender, porque eles possuem esse apelo inegável nas pessoas. E a autora também percebeu isso muito bem, acho até mesmo que essa foi a razão pela qual construiu essa estória, e deixou isso muito explícito durante a narrativa. Uma estória onde as pessoas vivem com medo e vivem com o perigo esperando em todos os lugares, mas que ao mesmo tempo possuem reality shows transmitidos de dentro das Coldtwons onde mostram os vampiros dando grandes festas e se alimentando. Um estória onde algumas pessoas vão por livre e espontânea vontade para essas Coldtowns com a esperança de quem sabe, um dia, se forem muito sortudos, possam se tornar imortais.

Outro ponto muito positivo do livro são os seus personagens. A Tana é diferente da maioria das protagonistas que normalmente encontramos, ela tem uma imagem muito forte, passa uma imagem de alguém durona e que não tem medo de nada. Mas faz isso, na verdade, para esconder todos os seus medos e fraquezas, assim como para esconder todos pensamentos e desejos que tenta convencer até para si mesma que não são reais. E é incrível se ter uma personagem tão real, tão cheia de falhas e defeitos, mas que encontra a sua força e torna tudo isso em coragem. Mesmo com medo, mesmo correndo perigo, a Tana nunca deixa de pensar nos outros, nunca deixa as circunstâncias tomarem conta dela e não tem como não amar a personagem por isso.
Depois de Tana, o segundo grande personagem do livro é sem dúvidas o Gavriel. Ele é misterioso, intenso, um pouco louco e tem um passado riquíssimo. É um personagem cheio de incertezas, pelo qual você sente receio, medo, admiração, carinho e diversas outras sensações em um intervalo de menos de quatrocentas páginas. Mesmo que ele apareça relativamente pouco no livro como um todo, ele tem um impacto gigantesco na estória e vai deixando sua marca aos poucos, até que você se veja sedenta para mais dele.

Se uma estória excelente e personagens incríveis não fossem suficientes, nós temos ainda a narrativa. Eu nunca tinha lido nada da Holly Black antes e não tinha ideia de como a sua escrita é maravilhosa. Se aprendi alguma coisa nesses três anos em que venho escrevendo resenhas é que é impossível explicar as singularidades de cada escrita, você precisa ler para entender. Portanto vou apenas me ater a dizer para vocês que é incrível, não apenas pela maneira com que ela captura o leitor para dentro do seu mundo, mas principalmente pela forma como ela consegue passar os sentimentos e as emoções. Seja para passar o suspense e o mistério que, como já disse, permeiam todas as páginas, ou para passar o medo e a coragem que trasbordam de Tana ao mesmo tempo. Me surpreendi também com todas as reflexões que a autora trás, muitas delas ligadas aos vampiros, é claro, mas que podem facilmente serem relacionadas ao que vivemos de verdade.
A construção da narrativa também foi super bem feita. O livro é quase todo narrado pela visão da Tana, mas existem alguns capítulos intercalados que são no passado e outros que trazem a visão de outros personagens. Isso foi importantíssimo para dar profundidade a estória e para dar uma visão mais completa do mundo criado pela autora e dos acontecimentos.

Mas, talvez, o mais incrível de A Menina Mais Fria de Coldtown é ele ser um livro único. Quão raro é uma estória sobrenatural nos dias de hoje que começa, se desenvolve e termina em um livro só? E o quão mais raro ainda é uma estória que faz tudo isso com tamanha perfeição?  É tudo tão bem feito, tudo vai se encaixando e se fechando de uma maneira mais do que satisfatória. A Holly Black não deixou pontas soltas, mesmo que não tenha traçado um fim definido para tudo, as coisas foram deixadas no ponto em que deveriam. Não há necessidade para nenhuma continuação. Não que eu não tenha ficado com vontade de matar a autora por ter terminado daquela maneira, não que eu não fosse amar poder ler mais sobre essa estória que eu amei tanto, mas se me perguntarem de fato se eu quero uma continuação eu diria não. Ser um livro único, ser um pequeno vislumbre desse mundo, é uma das coisas que tornam o livro tão especial. Além do fato de que, quando você para para alisar depois, não existe a menor necessidade, não existe nada que tenha ficado sem resposta.

Eu demorei dois dias para começar essa resenha e estou levando muito mais tempo a escrevendo do que o normal porque simplesmente não consigo achar palavras para dizer o quão sensacional é esse livro. A Menina Mais Fria de Coldtown é assustador, apreensivo, intenso e viciante. Além de ter uma escrita excepcional e se passar em uma realidade única. Uma estória de vampiros como nenhuma outra, que merece muito mesmo ser lida. Meu mais novo favorito. 
Sob os holofotes, a pele de Gavriel parecia quase branca. A boca estava manchada de vermelho, apesar de ele esfregá-la. Era a primeira vez que ela o via em pé e, novamente, foi atingida pela incongruência dele: alto, descalço, vestindo uma calça jeans e uma camiseta preta do avesso, cabelos bagunçados, sem as correntes, parecendo a sombra de um garoto comum, um garoto da idade dela, que não era um garoto, de jeito nenhum. E havia um corpo caído aos pés dele.
 — Nós nos cultivamos debaixo de tantas ilusões em relação a nós mesmos até que somos desnudados. Estando infetados, sendo vampiros, somos sempre nós mesmos. Talvez até mais nós mesmos do que jamais fomos antes. Nós, destilados. Nós, cozidos até virar molho. Mas somos sempre nós, como sempre fomos, bem lá no fundo.
Existe algo de fácil em relação à ideia de que o vampirismo seja algum tipo de doença: então eles não têm como evitar senão nos atacarem, não podem evitar cometer assassinatos e atrocidades, é somente às vezes que eles conseguem se controlar. Eles estão doentes; não é culpa deles. E existe algo até mesmo mais fácil em relação à ideia de invasão demoníaca, alguma coisa forçando nossos entes queridos a fazer todos os tipos de coisas terríveis. Ainda assim não é culpa deles, só que agora podemos destruí-los. Mas a terceira opção, a possibilidade de que haja algo de monstruoso dentro de nós que possa ser liberado, é a mais perturbadora de todas. Talvez sejamos apenas nós, nós com uma fome extrema, nós com alguns assassinatos acidentais no histórico. A humanidade, sem as rodinhas extras da bicicleta, derrapando por uma colina íngreme. A humanidade, livre das amarras da consequência e com o dom do poder. A humanidade, afastada de todas as coisas humanas.

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